Capítulo 1

Alta Idade Média; Alguma insula na Europa Ocidental;

Minhas lembranças apagadas e levadas à tona de repente esquecem-se de partes relevantes, mas não da essência da memória. De veras, não devo ter esquecido muita coisa depois dos meus nove anos, que foi quando comecei a minha solitária jornada, mas tenho uma boa memória, que pode ser preenchida pelos devaneios de minha mente, vou começar de onde me lembro. Naquela estrada desconhecida, com os pés molhados e sujos de barro, e os olhos cegos pelo tempo nublado e pelo escuro da madrugada. Aquela noite de... Deveria ser verão, mas agora não tenho certeza. Estava frio, muito frio, mesmo sendo verão, cambaleei por uma estrada ensopada e por diversas vezes cai sentindo a textura da lama e também seu gosto nada agradável. Algumas horas antes eu tinha partido escondido em uma carroça, agora, não sabia onde estava, nem fazia idéia. Caminhando faminto e exausto nem me dei conta de que a estrada tinha acabado quando dei de frente com uma enorme tora de madeira que se estendia até onde a minha vista eneblinada conseguia alcançar, parecia infinita, mas velha, podre, não demorei a achar em uma de suas extremidades um rombo pelo qual eu conseguiria passar, e após atravessá-lo deparei-me com uma cidadela por onde andei sem rumo por entre as casas, não me lembro do caminho. Recordo-me do vulto, uma grande construção, ainda a vejo em meus sonhos, subi em seus degraus tropeçando, escorregando, caindo e parando na porta.
Fui acordado as sacudidelas por um homem de bata preta na manhã seguinte, de rosto gentil, mas preocupado, ele levou o garotinho imundo pra dentro da construção, uma capela simples e rústica, lembro de ele ter falado comigo várias vezes, perguntando meu nome, eu nada falava, só via as infiltrações da parede branca em direção ao chão. A capela tinha cheiro de mofo úmido, os bancos de madeira precária que já estava se desfazendo e o altar, com algumas poucas velas, umas flores murchas e uma grande cruz enferrujada com um homem que parecia estar morto, dependurado nela.
Levado para um cômodo pequeno foi-me servido pão e água, que devorei esfomeado. Notei que o homem me observava, lá estava ele em frente a mim, sentado na cadeira enquanto eu comia no chão gélido de cimento, olhando para meus pés sujos. Ele então se apresentou como padre Fixar. Olhei-o melhor, não parecia velho, talvez tivesse uns 30 anos, olhos castanhos meio caídos, cabelos escuros, boca fina e rosto magro e sereno. Seu cabelo era cortado de forma estranha, como um círculo de fios de meio oco, ele usava uma bata negra e por cima um manto também preto, ambos feitos de lã. Dava-me uma sensação de segurança, mesmo assim eu não confiaria nele tão cedo, não confiaria em ninguém como antes. Encarei-o por um momento e pronunciei um nome que dali em diante adotaria, Ivã.

O padre Fixar fez inúmeras perguntas depois, de onde eu vim, quem eram meus pais, como cheguei até lá. Eu não o respondi, queria esquecer as verdadeiras respostas, mentir pra si mesmo pode ser a pior mentira, mas também foi a melhor solução. O eclesiástico parecia não saber o que fazer a meu respeito, quando viu que eu não respondia, saiu sem dizer nada, pouco depois abriu a porta e pediu que eu o esperasse. Eu não tinha porque desobedecê-lo. Fiquei ali encostado à parede branca, no pequeno cômodo de somente uma porta, olhando o vitral da janela ao alto. A saleta tinha apenas uma mesa, uma cadeira e um espelho.
A curiosidade me levou até meu reflexo, os desgrenhados cabelos ruivos fogo sujos de barro seco, foi à primeira coisa que me chamou atenção, eles estavam deveras grandes, lembro-me vagamente, mas acho que eram à altura dos ombros. Os olhos verdes profundos escondidos por traz do cabelo, o nariz com algumas poucas sardas, a boca fina. Não era o rosto mais atraente que eu já tinha visto, mas era ligeiramente agradável. Então vi o reflexo do reverendo as suas costas.
- Achei um lugar pra você.
Ele me guiou para fora da capela, pela rua ainda meio enlameada. Eu andava olhando pro chão, tinha vergonha e medo dos homens da rua, tinha certeza que olhavam para mim com desprezo, o garotinho sujo, muito embora hoje eu saiba que nem reparavam em mim, não eram menos maltrapilhos que eu. Não haviam mulheres na rua, como eu fui saber mais tarde, não tinham mulheres em lugar algum. A arquitetura era incoerente, como se pertencessem a civilizações muito distintas, em contraste com as casas a igreja era o que mais chamava atenção, mesmo assim a cidadela tinha um ar simpático e hospitaleiro, embora brutas as construções tinham um místico encanto.
Olhando para os lados algumas vezes, vi que a aldeia era cercada por um grande muro de pedra, me lembrei dele na noite anterior, era grandioso, mas de pouca utilidade, o portão de madeira deixado ao revés já apodrecera deixando um belo rombo numa das extremidades que facilmente eu diminuto garoto como eu pode passar. Na minha esquerda estava um magnífico castelo, com imponentes paredes de pedra que se erguiam formando três torres, mas ele, como o muro parecia ter sido deixado, não era um reino rico pelo que notara, provavelmente submisso a outro, que começava a se desenvolver ou em declínio, mas tarde descobri que era a última opção. O eclesiástico conversava comigo pelo percurso disse-me ele que algum tempo atrás aqui eu encontraria alguns guardas com suas lustrosas armaduras e lanças que supervisionavam o andamento do reino, porém eles, como o rei, tinham deixado a aldeia e rumado a outra que também os pertencia e que também perecia.
Os camponeses e pequenos comerciantes se vestiam com lã trançada, como eu, algumas pretas, outras brancas, a maioria amarronzada, os de condição melhor tinham braceletes ou colares de metal.
Chegamos a uma casa, paredes de pedra, um andar, telhado e porta de madeira, uma chaminé erguia-se e dela saia uma suave fumaça negra, no quintal cercado por estacas de madeira, tinham alguns garotos que gritavam em suas brincadeiras, umas duas ovelhas, um gato rajado e algumas poucas galinhas. O padre abriu a portinhola que lhe batia pouco abaixo da cintura.
- Venha, venha. Não precisa ficar receoso.
Fácil pra ele dizer, eu iria ficar ali? Como aqueles meninos de sorriso maldoso? Com aquele gato? Ah sim, eu não fui com aquele gato, nunca soube bem o porquê. O padre me estendeu a mão, ah, como eu queria dar o fora dali, mas aonde eu poderia ir? É. Pra lugar nenhum. Conformei-me com a minha situação, afinal não era tão ruim assim. Acompanhei o padre até a porta.
De dentro da residência vinha o som de uma voz cantando em murmúrios e o cheiro de lenha queimando, era um tanto hipnotizante. O eclesiástico abriu um ligeiro sorriso e chamou por um homem chamado Alfie. Os cantarolantes murmúrios cessam e eis que ouvimos a voz grave vinda da casa.
- Ora vamos, Richard, entre logo. Não me fará ir ai não é? Há, venha, traga o garoto de que me falou.
- Mais um, não é Alfie? Que Deus o abençoe. – e então fui levado ao Alfie, entrando na sala invadida pelo calor e brilho da pequena fornalha, senti-me como um porco que ia ser assado, mas o cheiro da casa era agradável e colhedor, notei a tapeçaria na parede à direita em cores vivas com formas que lembravam galhos e flores, uma cruz de madeira estava sobre a parede oposta e no meio da sala tinha uma mesinha de centro. O outro lado da sala estava Alfie, ao lado da fornalha, o rosto muito vermelho e suado com um sorriso amarelo estampado veio em nossa direção, em pesadas passadas de suas curtas pernas e corpo maciço.
Alfie abraçou o clérigo, que se curvou para fazê-lo. Embora demonstrasse ser cristão, Alfie parecia ser um descendente do povo que lá existia antes da evangelização, tinha uma densa barba negra com alguns fios já grisalhos, os olhos miúdos como besouros, meio careca e gorducho. Tinha um grande cinturão de metal na cintura. Havia vestígios da outra cultura por toda cidade, desde as construções até o escudo e o machado duplo que enfeitavam a parede ao lado da fornalha. O homem corpulento me analisou e depois de um momento dirigiu-me um sorriso amigável.
- Vai encontrar outros garotos lá fora, amiguinho, por que não vai lá brincar com eles?
Não queria agüentar aquele calor por muito mais tempo, mas preferia ficar ao lado do padre. Olhei pro chão e segurei a barra da manga do reverendo.
- Este é meio tímido Alfie, vai precisar de tempo pra se adequar.

Tinha cortado o cabelo no segundo dia lá, mas ainda sentia sua falta. Era estranho ter um cabelo curto, era bom. Depois de dois meses naquele lugar eu ainda não tinha feito nenhum amigo, só os observava, às vezes um dos 17 meninos vinha falar comigo, mas logo desistia. A maior parte do tempo eu cuidava das ovelhas, eram cinco ao todo, as escovava, alimentava, logo Alfie simpatizou comigo e eu com ele, me ensinou a tratar melhor dos animais. Mas eu continuava sem muitas palavras. Na semana seguinte a mim chegou outro menino, ouvi Alfie comentando com o padre Fixar que aquele deveria ser o último, pois a casa estava ficando muito lotada.
Os garotos de lá estavam sempre alegres, eram travessos e criativos, um ou outro fugia a regra como eu, mas era só na primeira semana. Criado de uma forma, digamos... diferente, tentei me adequar aos novos costumes, embora por vezes alguns dos meninos reparavam inconvenientes atitudes minhas e quando eu percebia, fazia esforço para mudar. Era difícil agir como um menino normal, pelo menos no começo.
Thomas e Charlie eram dois dos meninos de lá, sempre andavam juntos e arrumavam alguma encrenca. Charlie era ligeiramente maior e mais velho que Thomas, devia ter uns nove anos, como eu. Era loiro de cabelos anormalmente lisos e olhos castanhos muito vivos, tinha um sorriso maroto e malicioso de menino esperto que banca inocente, já Thomas tinha o cabelo castanho muito cheio e ondulado com olhos azul-claros, era meio bobo, obedecia Charlie em tudo que este mandava e parecia se divertir com isso, mas não sabia mentir como Charlie, por isso se encrencava mais.
Dormíamos todos no chão, na sala, que era o único cômodo da casa, Alfie dormia num canto perto da fornalha. Sempre custei a pegar no sono e em certa noite, aos 11 anos, flagrei Thomas e Charlie fugindo na madrugada, fiquei curioso e depois de agonizantes minutos de espera resolvi segui-los.

41 comentários:

Unknown disse...

parece ser uma boa história, gostei do capitulo 1 vamos ver os próximos

Mendy disse...

Esther, continue escrevendo viu! A estória esta interessante!!! Bem escrita. Vou voltar para ver a continuação.
Só uma coisa, acho que seria melhor se você postasse menos paragrafos, por vez. Fica mais facil de ler e acompanhar...

Leandro Sans. disse...

Na minha opinião acho que você deveria postar o texto com fontes do tipo arial ou alguma fonte similar a mesma, pois deixando em itálico ou Times News Romans, á leitura tende cansar mais do fato estarmos lendo no computador, mas á sua história, está bem legal, parabéns.

Leandro Sans. disse...

Outra coisa que esqueci de escrever, gostei dos desenhos, dá uma idéia de como são os personagens.
Viste meu blog:
http://www.leandrosansarte.blogspot.com

Renan Ogawa disse...

Te seguirei pra ler os próximos capítulos!
Vc é muito criativa :)
visite: http://renance.blogspot.com/

Henrique Alvez disse...

muuuuuito bem escrito
*--*
li o prefácio também, e confessou q me instigou.
continue postando, e eu continuarei lendo

Francis Vaz disse...

Muito boa a história vou confessar que fiquei curioso pra saber a continuação por isso poste mais que virei aqui novamente.
Beijos e Sucesso!


____________________________
http://bremfoco.blogspot.com

joão victor borges disse...

caramba, ótima história, continue escrevendo!
sério, a narrativa tá impressionante e eu consigo até ver todos os detalhes pelos quais o menino passa. vou seguir.

http://anpulheta.blogspot.com

Anônimo disse...

Você é uma artista!
Sua escrita encanta.

Leandro disse...

nossa vc devia escrever um livro ,escreve muito uheuhe
bjos

Henrique Alvez disse...

ñ foi esforço nenhum ler novamente
*---*
e viu, qnd vem o 2º cap?
até+ vizinha

thaty disse...

poxaaa legal heiin..
escreve bem x)
continue ..porque quem sabe alguém não te lança pro mundo .. chic né ?!

sucesso
;*

Gabriel T. disse...

Bela narrativa, ótimas descrições. Quero mais!

www.buracosebecos.blogspot.com

Inez disse...

Parabéns! Você tem talento e escreve muito bem, a estória é interessante, só os textos que são um tanto longos que para blog não é bom.
Obrigada pela sua visita no meu blog. Sua sugestão é bastante válida, não coloco a média de salário inicial das profissões porque não tenho nenhuma pesquisa recente sobre este assunto, tentei conseguir no DIEESE, mas, não me passaram a informação.

Anônimo disse...

Muito legal a idéia, e parece ser uma história bem avassaladora, vamos ver se eu vou acompanhar os capítulos seguintes...

Anônimo disse...

Capitulo 1, hiper interessante.!
Mas muito longo os capitulos, se torna cansativos de leer.!
Mas está de parabééns pelo Blogger.!

Anônimo disse...

Oi Esther, interessante você escrever um livro no blog....
gostei muito do prefácio e do primeiro capítulo....voltarei pra ler mais do seu livro interativo...
abs

joão victor borges disse...

cara, eu vou te seguir porque o blog tá TÃO bem feito, em todos os quesitos, que me faz querer acompanhar.

http://anpulheta.blogspot.com

Anônimo disse...

pow, muita criatividade para uma pessoa só xD

muito bom...sempre que der, passarei aki pra ler mais e divulgarei pra amigos q gosta desses tipos de textos ;D

http://aborrecenteinformado.blogspot.com/

Mandy disse...

Você escreve muito bem mocinha!

^^

História interessante. Vou voltar para continuar a conferir.
Achei legal os desenhos dos personagens na lateral, muito criativo!

Se puder passa lá pelo Sook depois.
BjO

João Carlos disse...

vai sair impresso?
estamos esperando!

Sr.Talento disse...

gostei mas axei muito grande o texto
vc tem outros blogue com outras estorias

Vinicius Pacheco disse...

Sther!!

Achei interessante o texto... o ritmo da escrita é boa... Alguns pequenos deslizes de pontuação e concordo com a pessoa que falou dos paragrafos...

Aconselho para referencia " O nome da Rosa" do umberto Eco... Vai tirar boas referencias e inspiraçoes de lá!!

Até

Losterh disse...

Não estou com tempo para ler, mas vou voltar. A princípio, algo me chamou a atenção: esses desenhos, são seus?
Por Osíris, que talento se sim!

Matheus Galvão disse...

Concordo com muitos, post menos parágrafos, pois está muito comprido...
mas está bem escrito, quantos anos vc tem?

Esther Saldanha disse...

17 anos, meu caro.
Aos que acham os posts grandes, só lamento. Não resumirei a história.

Unknown disse...

Minha nossa senhora!!

Eu tava lendo o segundo, me empolguei tanto que vim ler o primeiro...agora vou voltar pra ele hehehehe

Muito bom!
Abraços
www.borarir.com

Unknown disse...

opa,seria mais um livro virtual vindo por aí?
começou muito bem
(y)
http://standybylinny.blogspot.com

Anônimo disse...

Parabéns!! Nunca me atrevi a escrever uma narrativa. Adorei tambem o poeminha do lado!!

Amo demais a poesia!!

Bjos e sorte

Branca

Allan Amorim disse...

Parabéns Esther!

Ótimo 1º Capítulo.

Achei excelente o final do capítulo! Daqueles que nos deixam ansiosos para ler o próximo.

Gostei.

Millena disse...

Excelente história.Você escreve muito!Amei.Continua a história.

Ana disse...

muuuito boa a historia ,parabens pela criatividade :)

Unknown disse...

a história é boa, o texto é muito bem escrito só tomaria cuidado na divisão dos capitulos para que não fiquem tão longos.

Jônatas Targino disse...

Belo blog!
Leitura agradável tb.
Parabéns!
Se quiser retribuir a visita:
www.blogginfor.blogspot.com
Será um prazer.

Unknown disse...

Bem interessante o blog!@ótima escritora moçinha!!! beijãoo

Unknown disse...

Curioso pra saber da continuação...

Luiz Scalercio disse...

cara bellissimo texto
nao deu pra ver tds
mas vou voltar ta.

- disse...

Mt bom mesmo !

vanessa Utzig disse...

olha, fazer um comentário que valha a pena ser lido é uma exigência no mínimo audaciosa, pra não dizer arrogante, mas é sim, válida e direito teu, escritora cruel. Hhehehe.
Você escreve muito bem, é um romance, certo? Interessante, adolescente da Idade Média, diferente neste ponto. Bom usar recursos de pesquisa histórica. Parabéns pela iniciativa, continue firme nesta jornada. Sonhe e lute.

Unknown disse...

aaa que lindo, vou esperar os proíximos capitulos, eu estou escreendo uma web novela, se poder, dê uma passadinha mais ainda sou caloura *-*
quero maaais *-*

Bart Rabelo disse...

A história parece ter uma boa direção. A forma poderia ser mais ágil, com parágrafos mais curtos e quebra no ritmo narrativo, mas estou curioso para continuar lendo. :)