Capítulo 8

Charlie me estendeu a sua mão quente e áspera para ajudar a chegar ao telhado, ele subira na frente. Estava condenado aquele traidor. Iria morrer. Eu o empurraria de lá de cima, isso era certo, era alto o suficiente para uma morte certa e pareceria um acidente. Com a pressa de ir embora não lamentaríamos muito sua morte, teríamos que fugir, eu, Sarah e Thomas enquanto o corpo de Charlie apodreceria no gramado do quintal até que a manhã raiasse.
Eu tinha que manter a calma, para que ele não suspeitasse. Olhei para baixo quando cheguei lá em cima, mas nada se via. Era uma morte certa. Algo me puxava para aquele infortúnio negro mesmo estando a uma distância razoável. A noite escura não nos permitia ver a grama lá em baixo e com certeza Thomas não poderia ver o que acontecia lá em cima. Como ele reagiria ao ver o corpo de seu irmão de coração inerte e sem vida sobre a grama? Não. Eu não podia pensar naquilo agora. Eu sabia que pensar só me impediria de agir em meu proveito próprio. Eu sempre pus a felicidade dos outros a frente da minha, mas aquele deveria ser o fim. Eu deveria ao menos uma vez ficar em primeiro plano! ...Charlie olhava as telhas a procura das soltas que indicavam o quarto de Sarah, pé ante pé, se equilibrando com o cuidado para não fazer barulho. Aquele era o momento!
O crescente ódio que me cegava e consumia como uma chama, dominando meu corpo e mente insistia.
“Vá!” Começou ele.
Os estalos das telhas me acompanhavam em direção a Charlie.
“Agarre-o!” Ele pedia.
Os seus cabelos loiros e lisos balançavam com o vento gelado daquela noite.
“Jogue-o!” Ele implorava.
E minha mão esquerda segurou-lhe as vestes sobre o ombro sentindo o tecido de lã grossa.
“MATE-O!” Ele mandava.
Eu senti cada músculo do meu braço, cada fibra que eu precisava...
“AGORA!”
Eu sentia as lágrimas do ódio escorrerem quentes pelo meu rosto. Eu ia matá-lo!
“AGORA! MATE-O!”

A dor trancada em meu peito explodiu num choro silencioso enquanto meus joelhos sediam em direção as telhas. Eu era um incapaz. “MATE-O!” Algo falava dentro de mim. “MATE-O!” Repetia incessantemente. “MATE-O! ! !” E respondi semi consciente. “Não posso...”
Uma faca afiada era fincada em meu peito a cada frase. Cada ordem recebida e desobedecida.
“MATE-O, SEU PORCO INÚTIL”
A faca afundava.
“Ele é meu amigo...”
Perfurando cada parte da minha alma.
“INIMIGO, SEU PORCO MEDROSO!”
Eu estava morrendo. Estava me afogando pela dor que corroia meu peito. Estava sufocando, juntando esforços para gritar em minha mente e ganhar a disputa por minhas ações.
“NÃO!”
Libertei-me enfim.

- O que houve Ivã? – perguntou-me Charlie aos sussurros, eu ainda o segurava, quase que ele caiu quando eu cedi as telhas. Agora eu rezava para que ele não percebesse minhas lágrimas. – Aconteceu alguma coisa? – Me sussurrou ele.
Achei que ele não tinha notado. Abaixei de pressa meus ouvidos para as telhas.
- Acho que ouvi algo lá em baixo. – menti numa ação rápida.
Ele se curvou também e esperou um momento.
- Não ouço nada, já passou?
Respirei fundo e enxuguei as lágrimas.
- É, já passou. – sussurrei.
- Melhor a gente esperar um pouco, não é?
Confirmei com a cabeça e nos sentamos. Incrivelmente depois de meu descontrole emocional uma súbita paz me invadiu. Talvez por meus pensamentos ausentes, não sei bem. Eu realmente estava com tudo em ordem novamente, eu simplesmente não existia naquele momento.
- Você... – comecei – Promete que vai cuidar bem da Sarah?
Charlie me sorriu docemente. – É claro. Eu a amo.
Acenei com a cabeça. É claro que sim... Quem não a amaria? Mas será que ele a amava tanto quanto eu? Eu, que não sabia viver sem ela? Eu, que era capaz de dar minha vida por ela? Era impossível alguém amá-la tanto quanto eu amava. Eu em meu amor insano e apaixonado que agora estava fadado a ficar preso em minha alma, escondido, incorrespondido, inmanifestável...
- Eu cuido dela, - disse ele novamente – Não querendo assumir seu lugar, mas eu cuido dela se um dia você não estiver por perto.
Eu o olhei penetrando em seus gentis olhos castanhos. Reconheci aquela frase. Eu a disse anos antes para Charlie quando ele estava preocupado com Thomas. Era diferente, nem eu nem ele estávamos apaixonados por Thomas quando eu disse aquilo, mas mesmo assim, aquela frase me fez bem. Eu senti que era sincera.

Tiramos o mais delicadamente possível as telhas sobre o quarto de Sarah. Enquanto o sopro frio do vento no telhado batia na minha face quente eu a vi. Lá estava ela olhando para cima e sorrindo para nós numa mistura de alívio com suprema alegria. Que saudade eu tinha daquele rosto, daquele sorriso, dela... Tinham se passado dois meses... Incrivelmente nesse meio tempo ela estava com uma fisionomia mais mulher, mais madura e seu corpo parecia ter mais curvas...
- Oi. – ela nos sussurrou num sorriso. Seus olhos brilhavam.
- Oi. – respondi sorrindo também sussurrando, ela era linda como eu me lembrava.
- Está pronta, mocinha? – perguntou Charlie bobo e sorridente ao meu lado, algo me feriu quando me lembrei de sua existência.
- Claro. – ela respondeu com um sorriso doce.
Virou-se e de baixo da cama ela puxou uma enorme trouxa, parecia ter despejado ali todas suas roupas e ainda mais coisas. Por um momento achei a cena cômica.
- Sarah... – disse eu sem jeito – Nós vamos a cavalo, não numa carroça...
- Como assim?
- Tem coisa demais ai, Sarah. – respondeu Charlie.
Sarah olhou para a trouxa que batia no seu joelho.
- Estamos fugindo Sarah, não nos mudando... – disse ele.
Ela fez um beicinho mimado e abriu a trouxa. De lá saltaram como molas roupas, sapatos, pães e alguns objetos que se espalharam pelo chão.
- O que eu levo?
- Bem... Não sei... Umas duas roupas no máximo. – respondi.
- Somente duas?
- Bem, com a que você está vestindo somam três...
Charlie acenou com a cabeça em concordância, pelo menos com ele ao meu lado eu não parecia tão cruel fazendo-a se livrar de seus pertences. Sarah jogou roupas e mais roupas para fora de sua trouxa que agora ficara bem menor. Levando seu vestido preferido e um simples sem tingimento, também escolhera um sapato, um pente, fitas e outras coisas pequenas nós a deixamos levar para agradá-la, mesmo achando-as desnecessárias, e é claro, os pães. Ela afastou sua colcha de lã e colocou seu banquinho tripé em cima das taboas da cama e nos passou sua trouxa. Em seguida estendemos o braço para que ela viesse ao nosso encontro no telhado.
- Esperem. – disse-nos ela. – Ainda tem mais uma coisa que eu quero levar.
Ela se dirigiu a penteadeira e tentou arrancar-lhe o espelho de quase meio metro. Charlie e eu nos entreolhamos confusos.
- Sarah! – disse Charlie – Você está louca? É grande demais!
- Mas era da minha mãe... – respondeu melancólica.
- Não pode levá-lo inteiro, é grande demais! Quebre um pedaço então. – sugeri.
Ela pareceu triste por um momento depois concordou. Pegou o travesseiro e o pôs sobre a penteadeira apoiando-o no espelho, em seguida golpeou-o com o banquinho tripé. Fez-se um barulho agudo e seco, o vidro estava quebrado. Por um momento pensei que a Senhora Coppais fosse acordar, mas nada se manifestou. Sarah pegou o maior caco e nos passou.
- Alguém quer um pedaço? – perguntou-nos melancólica.
- Eu quero. – disse eu com um sorriso.
Ela me sorriu e girou nos calcanhares para pegar mais um pequeno pedaço do espelho quebrado sobre a penteadeira. Me passou um pequeno pedaço do tamanho de minha mão que pus no bolso. Ela deu uma última olhada em seu quarto e nós a puxamos para cima, agora sim, finalmente Sarah estava livre. Ela se equilibrou nas telhas e respirou profundamente o ar a sua volta com um gracioso sorriso no rosto, as pequenas gotas de chuva salpicavam seu rosto. Reparei os seios que apareceram sob as vestes, estavam bem maiores do que quando parti.
- Livre. – ela disse baixinho.
Sarah se virou e me abraçou. “Senti sua falta.” Disse-me docemente, cortando meu coração de um modo indescritivelmente agradável. Ela estava mais alta. Antes Sarah batia abaixo de minha orelha, agora já chegara à sobrancelha. O calor do seu corpo era como uma fogueira num dia de neve, era quente, agradável e sobretudo preciso para sobreviver, me perguntei como pude agüentar tanto tempo longe disso.
Soltou-me e se virou a Charlie me privando do calor do seu corpo.
- Senti sua falta também. – ela disse e deu-lhe um abraço sem graça, mas demorado, ao qual invejei.
Vasculhei meu bolso a procura do caco de espelho que ela me dera para não olhá-los e me encarei no reflexo por um momento. O pequeno caco me mostrava um adolescente magro e esquisito, achei-me feio comparado a Charlie, não muito, mas um pouco, também não muito pouco, só... Feio. Os grandes olhos verdes até que eram bonitos, mas o nariz era anormalmente grande, o queixo que começava a ter barbas mal distribuídas e a boca fina que me disse lenta e sussurrante. “Deveria tê-lo matado.”

16 comentários:

Raphael Trew disse...

Os capítulos estão ficando curtos, mas cada vez mais emocionantes, a batalha interna de Ivã que coisa, mais é assim mesmo, se não é nossa consciência para nos segurar, fazemos besteira, ou nos arrependemos.

Henrique Alvez disse...

Magnífica a sequencia em que o Ivã entra em conflito consigo mesmo, entre matar ou não o Charlie......reencontros são sempre bonitos, ainda mais entre duas pessoas que se amam =DDD

Laura Marzullo disse...

é vc quem escreve? blog beem diferenciado, achei interessante. ñ li toda postagem, mas fiquei com uma curiosidade em saber oq acontecerá, haha!
desde qdo tu tá com o blog? sucesso aí, viu!
até

Esther Saldanha disse...

Olá minha cara Laura, sim, a obra é minha, e estou postando-a no blog desde o começo desse ano.

Chega Mais! disse...

Nossa..Que diferente,comecei a ler mas não consegui terminar,amanhã continuo a leitura do início e posto algo mais 'concreto'..Parabéns pelo blog,gostei!

Thiago Batticelli disse...

Nossa, boa história, parabéns, escreve bem... Tem um roteiro legal tua história.

Josivan disse...

seu texto é sensacional

L.A disse...

seu blog é muit interessante , vou começar a ler tudo!

estou seguindo viu?
beijos!

Anônimo disse...

obrigado por postar em meu blog... e sim
eu continuei a historia de Carlie como me pediu! não seu se ficou bom!! mas eu fiz!!

Unknown disse...

*-* Ameii! :D'

Bruna disse...

Nossa, esse é o primeiro capitulo qu eu leio, e já estou adorando.
Irei buscar o começo da historia e indicarei a uma amiga tambem :)

Ótimo blog e ótima historia :)

Parabéns
bjus, Bruna

relatosdegarota.blogspot.com

Rayane France disse...

- realmente, ótimo blog ; ótima história :D
Acho muito interessante blog que seguem uma história com sequência.
Gostei mto ( dramas com conflitos ( Ivã , tadinho) me atraem ) .
Bjs Bjs .
seguindo :D

Ninha Batz disse...

Muito bom msm...

Seguindo vc....segue?

André Cézar disse...

gostando...

Lucia M. Ghaendt-Möezbert disse...

Intenso. Vc tem mto potencial, espero que continue a escrever.

Anônimo disse...

iNTERESSANTE É UMA HISTÓRIA *---*
ÓTIMA CRIATIVIDADE :D